sábado, 13 de julho de 2013

UM RECURSO FINANCEIRO

               



Joseph Pérez aponta o dedo ao velho fascínio humano pelo demoníaco, mas também não nos devemos esquecer de que a bruxaria era um óptimo negócio. Como os tribunais do início do século XVII tinham de ser auto-suficientes, os condenados por feitiçaria (ou os seus familiares) pagavam do seu bolso cada acto de punição e cada banquete dos juízes, mesmo aqueles que eram declarados inocentes, como aconteceu, em 1676, com a alemã Chatrina Blanckenstein, a qual foi brutalmente torturada com empolgadeiras (que esmagavam os dedos das mãos e dos pés), no potro, com cunhas e com cordas de esfolar. Apesar disso, a mulher não confessou e o processo foi suspenso, mas não sem antes ter de pagar as custas do seu calvário.
Não é de estranhar que, na Alemanha, onde os bens eram confiscados de forma sistemática, se tenham instaurado processos contra mulheres abastadas. Quando Fernando II (1578–1637) proibiu as confiscações por considerá-las um negócio sujo, o número de execuções diminuiu. Mesmo assim, houve casos notórios, como o do burgomestre de Bamberg, Johannes Junius, vítima da caça às bruxas promovida pelo eleitor da Saxónia, João Jorge II, o qual ordenou que se queimassem vivas cerca de 600 pessoas. Em 1628, antes de morrer na fogueira, Junius escreveu à filha para lhe contar como sofrera o suplício da polé, e como o carrasco lhe rogava para confessar algo, mesmo que fosse inventado, pois não parariam até admitir que era bruxo.
É verdade que algumas mentes lúcidas ficaram horrorizadas com estas perversões. “Escutai-me, juízes famintos de dinheiro e fiscais sedentos de sangue: as aparições do diabo são mentira”, escreveu, no século XVII, o teólogo luterano Johann Meyfarth. Tinha presenciado centenas de processos por bruxaria e vira o modo como os verdugos se deleitavam com o suplício das vítimas.
Meyfarth foi buscar as suas ideias a um compatriota, o jesuíta alemão Friedrich Spee von Langenfeld, que publicara, em 1631, de forma anónima, Cautio criminalis, onde confessava o seguinte: “Se não somos todos bruxos, é porque ainda não fomos sujeitos aos tormentos; o próprio Papa, submetido à tortura, confessaria que também ele era bruxo.”



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