Por se tratar de um conceito ideológico difícil de demonstrar, a bruxaria foi declarada crimen excepta, delito excepcional não abrangido pelas garantias processuais. Constituía uma traição a Deus e devia ser, como tal, severamente punida: “Nenhum castigo que impúnhamos às bruxas, mesmo que seja assá-las e cozê-las em lume brando, será excessivo”, escrevia Jean Bodin, jurista francês do século XVI. Este indivíduo demonstrou o seu fanatismo no livro Demonomania dos Bruxos (1580), no qual deixou escritas pérolas como “há que obrigar as crianças a testemunhar contra os pais”, “a suspeita é suficiente fundamento para a tortura” ou “nunca se deve absolver uma pessoa depois de ter sido acusada”. No seu entender, a melhor maneira de infundir temor a Deus era com “ferros ao rubro para arrancar a carne putrefacta”.
Como se tivessem lido Bodin, as filhas do latifundiário inglês Robert Throckmorton destruíram para sempre a vida da família constituída por John e Alice Samuel e pela sua filha Agnes, seus vizinhos na povoação de Warboys. Esses monstrinhos, liderados por Jane, de dez anos, fingiam ataques de epilepsia quando Alice surgia e conseguiram convencer os juízes, com o apoio de um médico de Cambridge, de que esta lhes lançara uma maldição. As meninas acusaram igualmente a família Samuel de ser responsável pela morte de Lady Cromwell, casada com o homem mais rico de Inglaterra e conhecida dos Throckmorton. John, Alice e Agnes foram declarados culpados de assassínio por feitiçaria. O chamado “caso das bruxas de Warboys” contribuiu para impulsionar a lei de 1604 que estabelecia a pena de morte para a bruxaria.
Em França, o fenómeno esteve mais associado ao sexo. O episódio das freiras de Luoviers, na Alta Normandia, deveu-se aos excessos do capelão de um mosteiro de irmãs franciscanas da ordem terceira. Quando a jovem Madeleine Bavent ingressou, em 1623, descobriu que o pai espiritual do convento era adepto de uma heresia que defendia que se devia adorar Deus sem roupa, como Adão e Eva. “As monjas despiam-se e dançavam na sua frente. Ele obrigava-nos a dar abraços voluptuosos; testemunhei a circuncisão num falo enorme que algumas monjas agarraram em seguida para satisfazer os seus caprichos”, escreveu Madeleine. Ela negava-se a participar em tais práticas, mas o cura Mathurin Picard violou-a e deixou-a grávida. As orgias prosseguiram até 1642, quando a morte de Picard desencadeou a histeria. Receosas de que tudo fosse descoberto, 14 das 52 freiras do convento começaram a fingir possessão demoníaca e acusaram Madeleine de as ter enfeitiçado. Esta foi torturada e condenada à prisão perpétua numa masmorra insalubre, onde recebia apenas pão e água de três em três dias. Em 1647, não conseguiu resistir mais e morreu na prisão.
O desfecho teria sido outro se os juízes franceses tivessem visto o que aconteceu no Convento das Beneditinas de São Plácido, em Madrid, em 1628. Entre os seus muros, o diabo ter-se-ia apoderado de 25 freiras. Todavia, o inquisidor Diego Serrano comprovou que não estavam possessas, mas eram doentes mentais: não necessitavam de exorcismos, mas de cuidados médicos. Francisco Garcia Calderón, confessor do mosteiro, foi preso por manter relações sexuais com as religiosas. “Não devemos, senhor, estar com rodeios neste assunto: não houve, nem há, outros demónios que não sejam os frades”, escreveu Serrano, com lucidez, ao inquisidor-geral.
A bruxomania instalou-se durante dois séculos na mente de clérigos, juízes, governantes e filósofos, os quais sufocaram na forca e na fogueira o espírito crítico de que costumavam fazer gala. A ciência incipiente que chegava pela mão de Galileu e Newton foi substituída por uma assombrosa credulidade. Como podiam pessoas instruídas acreditar em semelhantes disparates? O magistrado papal Paulo Grillandi chegou a explicar por que motivo uma bruxa, alegadamente capaz de mudar de forma e de passar pelo buraco de uma fechadura, não podia escapar da prisão: “Já que o demónio se apoderou dela, Satanás deseja que seja executada, pois assim não poderá arrepender-se e livrar-se do demónio.”
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